15.1.10

Artigo parecido no "Correio da Manha" do 15 de Junho de 2008.


Art Sullivan descobre voz de português

Cantava no quarto, escondido dos ouvidos de todos, mas filmava-se e colocava os vídeos na internet. O luso-descendente Hugo Sahki foi descoberto por Art Sullivan, estrela dos anos 70, que tem apostado tudo para o ver na ribalta

O calendário marcava 1 de Abril, o dia em que todas as notícias são recebidas com desconfiança, para não antecipar os foguetes sem saber se há mesmo festa. Hugo Sahki esfregou os olhos de incredulidade quando ligou o computador, pouco depois de acordar, ao ler uma mensagem surpreendente e a ele dirigida, no blogue que mantinha na internet. O jovem luso-descendente, em Portugal há quatro anos, leu e releu o curioso recado tantas vezes que não sabe dizer quantas, algures entre a vontade e o medo de acreditar no que lia.

"O Art Sullivan viu os teus vídeos na internet e ficou emocionado com a tua voz", dizia a mensagem assinada pelo irmão do cantor de alguns dos maiores êxitos musicais dos anos 70; em baixo, um número de telefone e uma morada pediam contacto. Mentira não pode ser, raciocinou o rapaz de 19 anos feitos há poucos dias, depois da surpresa inicial – ninguém sequer suspeitava da paixão que alimentava pela música entre as quatro paredes do quarto. Mesmo os pais estavam longe de saber do gosto do filho do meio, que depois de concluído o 9º ano na escola os começou a ajudar no salão de chá, que gerem em Barcelos, durante o dia.

Era com a porta fechada, pela noite dentro, para ninguém conceber tal sonora ideia, que Hugo se gravava enquanto cantava frente a uma câmara; vídeos que depois colocava na internet, no site Dailymotion (um "familiar" do YouTube).

"Tinha vergonha de contar à minha família, era o meu segredo, sempre fui muito tímido. Se não fosse isto ter acontecido, do Art Sullivan me ter contactado, eu ia continuar a cantar sem ninguém desconfiar", confessa Hugo na voz pausada que o caracteriza – e que não deixa duvidar do acanhamento – num português que só começou a aprender quando a família assentou em Portugal, na Póvoa de Varzim, depois de uma vida quase toda francesa. Foi lá que os pais, um argelino e uma portuguesa, ambos emigrantes, se conheceram e enamoraram.

Em segredo teriam continuado as canções de Hugo, camufladas pela timidez e bem longe dos ouvidos dos outros, se uma fã de Art Sullivan não tivesse "tropeçado" por acaso, na internet, num vídeo onde o rapaz franzino cantava "Petite Demoiselle". Entusiasmada com a música que tinha o quarto como cenário, incitou o cantor belga – através de um e-mail que enviou para o site oficial de Sullivan – a espreitar o único ‘sítio’ onde o segredo era público. Foi assim, empurrado pelas circunstâncias – Hugo gosta de lhe chamar sorte – que tudo começou.

Art Sullivan espreitou o segredo e deu início ao sonho sem grandes demoras. Se rapidamente espreitou, mais célere ainda foi a decisão de contactar Hugo Sahki. "Demorei 24 horas", confessa o cantor de "Petite Demoiselle", surpreendendo com esta afirmação o "afilhado" português que não conhecia as peripécias que antecederam o contacto. Já Hugo Sahki demorou o dobro do tempo a devolver o telefonema que a mensagem na internet pedia. Fê-lo 48 horas depois de ler a mensagem naquela manhã propícia às mentiras – também sem ninguém saber.

"Três dias depois de eu ter ligado para o número que vinha na mensagem e de me terem dito que o Art Sullivan queria gravar música comigo, chegaram a minha casa, pelo correio, dois bilhetes de avião para eu ir ter com ele à Bélgica, acho que tinha medo que eu pensasse que era uma brincadeira e não acreditasse no convite", recorda o jovem que, há poucos meses, longe estava de sonhar com a ribalta para onde Sullivan o quer agora catapultar.

"Quando o vi cantar na internet senti que estava perante um verdadeiro artista e não de uma personagem. Ele é capaz de tocar os outros porque quando canta conseguimos ver a cor, a alma dele, e isso é verdadeiramente excepcional", verbaliza, entusiasmado, o cantor belga, admitindo que se revê na história de Hugo e que isso foi também decisivo para o apoio. "Ele cantava sozinho no quarto, eu cantava sozinho na cave, a diferença é que agora existe internet e na minha altura não, mas a história é a mesma; somos muito parecidos a transmitir emoções – não cantamos para provar que temos voz mas porque dentro de nós existe o sentimento." A cumplicidade entre os dois é evidente e não precisa de canções para se fazer ouvir. Vive nas piadas e gracejos trocados, no orgulho que – percebe--se bem – sentem um do outro. Hugo, da carreira de décadas que o "padrinho" construiu – e de quem há poucos meses só conhecia a música "Petite Demoiselle"; Sullivan, orgulhoso da voz do luso-descendente que descobriu e que considera "encantadora".

"Quando nos conhecemos, o Art perguntou-me por que é que eu estava na música, o que queria do futuro, o que sentia quando cantava", revela Hugo timidamente, admitindo que ficou surpreendido com a "simplicidade" do cantor que, pela primeira vez em 35 anos de carreira, apostou e apoiou um jovem – e desconhecido – cantor.

Uma campanha de marketing de uma envergadura tal que no horizonte mais próximo contempla Portugal, França e Bélgica mas que promete estender-se no mapa até onde for possível. Para Art Sullivan, esta aposta em Hugo, com quem vai gravar um disco até ao próximo Inverno, faz (e "merece") todo o sentido. "É preciso partilhar o Hugo com os outros, era triste ele continuar a cantar sozinho no quarto sem ninguém o conhecer. Por isso, agora o importante é que o conheçam, depois o resto é com ele e com o talento que tem", explica o "padrinho", garantindo que nesse apoio, "muito mais importante" que o dinheiro envolvido, é conseguir lançá-lo no mercado musical.

O produtor de Sullivan, Jack Velt, fez fé na confiança do belga das canções de amor e dor, no rapaz português e aceitou também ele o desafio de o lançar. E ninguém da equipa duvida que as fãs que Art conquistou nos anos 70 vão ser também admiradoras do jovem Hugo. "Elas vão prestar atenção porque ele vai estar ao pé de mim", graceja o conhecido cantor, armado de um sorriso rasgado de entusiasmo.

Entusiasmado – e "emocionado" – ficou Hugo, quando recebeu os bilhetes de avião para ir ter com Sullivan à Bélgica, mas "tão nervoso" que passou noites seguidas sem dormir. O medo em nada tinha a ver com o facto de estar a um voo de conhecer o cantor, mas com o meio de transporte que o levaria até Sullivan. "Tenho pânico de andar de avião", confessou ao "padrinho", quando chegou finalmente – e depois de mais de 24 horas de autocarro e comboio – ao pé dele. Dos bilhetes, só um foi então usado, pelo pai de Hugo, que o acompanha no estrangeiro.

"Gosto de levar sempre alguém", diz. As palavras descortinam o menino que ainda há dentro do jovem que quer cantar o amor mas "também o Mundo que está em perigo". A timidez dele só existe antes de soltar a voz. "Durante os 3, 4 minutos em que canto não tenho medo de nada, sinto-me um rei e consigo libertar-me". Com a ajuda de Art Sullivan em breve vai conhecer os palcos. E o Mundo, esperam.

Ele fazia suspirar as "Petite Demoiselle’ na década de 70.

Apesar dos maduros 57 anos ainda é possível conseguir encontrar parecenças com o jovem que, na década de setenta, fazia suspirar meninas e mulheres com as suas baladas. Entre 1972 e 1978 o cantor belga vendeu uma dezena de milhões de discos e editou álbuns em França, Bélgica, Alemanha, Portugal, Espanha e América Latina. "Ensemble", "Petite Fille Aux Yeux Bleus", "Donne Donne Moi", "Petite Demoiselle" são algumas das músicas mais trauteadas de Sullivan, que esteve largos anos afastado dos palcos - nos entretantos dedicou-se a compor e também à produção audiovisual. Em 2006 regressou com o trabalho "Tout Est Dans Tout", um álbum de originais que rompeu com o silêncio prolongado. Art Sullivan está a apostar, pela primeira vez na carreira, num jovem desconhecido no meio musical, o luso-descendente Hugo. "Ele é português mas podia ser ucraniano, polinésio que seria igual para mim, ele tem um grande talento, é um artista do mais profundo da sua alma", elogiou o cantor belga, que resolveu "apadrinhar" o jovem depois de o ver e ouvir na internet. Nos vídeos, Hugo canta uma música de Sullivan e também Jacques Brel.

1 commentaire:

  1. Sou fã do Art Sullivan desde os meus 12 anos. Sempre adorei as suas músicas, as suas canções e a sua voz com o seu estilo romântico.
    Fiquei muito satisfeita quando soube do seu regresso a Portugal e do seu novo CD onde inclui o Hugo. Fez-me recordar os tempos de juventude. Continuo a ouvi-lo com imenso prazer.
    Ele era o idolo das jovens portuguesas.
    J'adore Art Sullivan. "
    C'est la vie, C'est jolie."
    L.Feliciano

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